Faltam pesquisas para incentivar o transporte rodoviário de carga a cumprir metas da ONU


Pesquisas voltadas ao setor de transporte rodoviário de carga produzidas entre 2015 e 2020 não se preocuparam com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). É o que aponta o artigo “Road freight transport literature and the achievements of the sustainable development goals – a systematic review”, publicado na revista acadêmica  Sustainability e realizado no âmbito de projeto desenvolvido no Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI).

O RCGI é um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) constituído com apoio da FAPESP e da Shell e sede na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP).

Os ODS foram propostos em 2015, durante a Cúpula de Desenvolvimento Sustentável da ONU, realizada em Nova York, nos Estados Unidos. A ideia é que o conjunto de 17 objetivos voltados para a proteção do planeta seja implementado até 2030 por todos os países que integram a ONU, inclusive o Brasil. Entre as metas estão trabalho digno e crescimento econômico (ODS 8), consumo e produção responsáveis (ODS 12), além de infraestrutura resiliente, indústria inclusiva e sustentável e fomento à inovação (ODS 9).

“Nosso foco foi investigar se a bibliografia voltada para esse setor, que demanda muitos recursos naturais e emite poluentes, estava atenta aos objetivos do desenvolvimento sustentável. Se os países quiserem de fato atingir essas metas em 2030, a literatura especializada precisaria estar falando dessa temática para contribuir, por exemplo, com a implantação de políticas públicas”, diz Flávia Mendes de Almeida Collaço, principal autora do artigo e pós-doutoranda do Instituto de Estudos Avançados da USP, em entrevista para a Acadêmica Agência de Comunicação.

Os pesquisadores utilizaram dois grandes bancos de dados internacionais voltados à comunidade acadêmica: Scopus e Web of Science. “Em uma primeira busca, percebemos que nenhum texto do período contemplado por nossa pesquisa fazia referência direta ao termo ‘ODS’”, relata Collaço. A pesquisadora admite que essa ausência talvez se deva exatamente ao recorte temporal do estudo. “Dificilmente o termo apareceria em artigos publicados em 2015, quando os ODS foram estabelecidos. Entretanto, ele poderia estar presente em artigos publicados a partir de 2017”, pontua. “Porém, isso não acontece nem mesmo em trabalhos que saíram em 2020. É difícil acreditar que as metas serão cumpridas em 2030 se a literatura científica não estiver falando a respeito dessa temática.”

Em função da ausência dos termos nos artigos disponíveis nos dois bancos de dados, os pesquisadores resolveram dividir as 140 metas dos 17 ODS em duas categorias: ‘ideais’ e ‘instrumentos’. “O ODS 7, por exemplo, é aquele que busca garantir o acesso à energia limpa de forma universal, confiável e a preços acessíveis. No trabalho, essa premissa virou um ‘ideal’, que foi então dividido em algumas palavras-chaves. O mesmo procedimento foi realizado em relação ao quesito ‘instrumentos’, que busca mostrar de que forma esses ‘ideais’ poderiam ser utilizados”, conta Thiago Brito, pós-doutorando na área de energia na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP e coautor do artigo, também em entrevista para a Acadêmica Agência de Comunicação.

Por meio dessa série de palavras-chaves elencadas pelos pesquisadores, uma linguagem de programação identificou inicialmente 1.540 artigos. Depois, com uma nova leva de filtros, esse número caiu para 301 textos. “Na sequência, nossa equipe leu esses 301 trabalhos. Foi uma medida crucial porque a linguagem de programação é capaz de identificar artigos através das palavras-chaves, mas não consegue apontar se a palavra ‘energia’, por exemplo, que aparece em determinado texto tem a ver com os ODS”, prossegue Collaço.

Por fim, os pesquisadores chegaram ao número final de 86 artigos, que foram então escrutinados e renderam uma revisão sistemática da bibliografia internacional voltada às questões investigadas pelo estudo. Dentre os textos analisados, todos apresentaram alguma relação com o ODS 7, aquele que trata do acesso à energia limpa.

“A maioria dos trabalhos [56 deles] faz uma análise econômica da mudança de combustível no setor de transporte de carga, em geral de origem fóssil para fontes renováveis”, diz a pesquisadora. “Entretanto, esses artigos não fazem conexões com outros ODS, como o 12, por exemplo, que versa sobre produção e consumo responsáveis. Um dos instrumentos desse quesito, inclusive, fala de políticas de subsídio para racionalizar o uso de combustíveis ineficientes ou fósseis. Trata-se de uma questão importante nesse debate e que mereceria ser abordada.”

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