Câmara deve votar nesta quarta-feira projeto que regulamenta terceirização


Plenário da Casa aprovou nesta terça tramitação em regime de urgência. Manifestação de centrais contra a proposta gerou tumulto e agressões

A Câmara dos Deputados colocará em votação nesta quarta-feira (8) o projeto de lei que regulamenta contratos de terceirização. A proposta é o primeiro item da pauta. Na noite desta terça-feira (7), a Casa aprovou tramitação em regime de urgência para o texto, o que permite que ele seja analisado pelo plenário sem precisar passar por comissões.

Acordo firmado entre os partidos prevê que o texto principal da matéria seja votado nesta quarta. As sugestões de alteração propostas pelos deputados, no entanto, só deverão ser discutidas na terça da próxima semana. Criticada pelo PT e algumas centrais sindicais e defendida por empresários, a matéria permite que empresas contratem trabalhadores terceirizados para exercer qualquer função.

Atualmente esse tipo de contratação é permitida apenas para a chamada atividade-meio, e não atividade-fim da empresa. Ou seja, uma universidade particular, por exemplo, pode terceirizar serviços de limpeza e segurança, mas não contratar professores terceirizados. Pelo texto que será votado na Câmara, essa limitação não existirá mais. Além disso, o projeto prevê a forma de contratação tanto para empresas privadas como públicas.

Durante a sessão que aprovou a urgência da tramitação, o deputado Alessandro Molon (PT-RJ) subiu à tribuna para criticar a proposta. Para ele, o projeto vai aumentar a terceirização e tornar “precárias” as condições de trabalho dos empregados. “Essa é a maior violação aos trabalhadores da história recente do país. [...] O PT é contra a piora das condições de trabalho e contra a redução dos salários dos trabalhadores”, disse.

Já o deputado Domingos Sávio (PSDB-MG) foi escalado para discursar a favor do projeto e disse que a regulamentação dos contratos de terceirização trará “segurança jurídica” para as empresas. Segundo ele, a ausência de regras claras para a terceirização gera múltiplas ações na Justiça contra as empresas e decisões que variam conforme o juiz.

“Queremos garantia jurídica, que a empresa tenha segurança de contratar e o trabalhador tenha direitos garantidos. E também que o país seja competitivo. No mundo inteiro é assim”, disse o tucano.

Ao longo da terça-feira, o governo tentou adiar a votação da proposta, pedindo a Cunha que deixasse a análise do texto para o próximo mês. O presidente da Câmara rejeitou a solicitação e ironizou o argumento dos petistas de que é preciso “mais tempo” para debater a matéria.

“Não cedo a nenhum tipo de retirada do texto da pauta de ofício. Dizem que é pouco tempo para discutir, mas tem 11 anos que esse projeto tramita. O que acontece é que só na hora que está pautado é que as pessoas prestam atenção e tentam acordo”, disse o peemedebista.

Alterações Na manhã de terça, o relator do projeto, Arthur de Oliveira Maia (SD-BA), foi procurado por ministros que buscavam mudanças na proposta. Após reunião com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, ele alterou o texto para passar para a empresa contratante a responsabilidade pelos pagamentos de encargos previdenciários e do imposto de renda relativos a empregados terceirizados.

A preocupação do governo era de que as empresas terceirizadas não cumprissem com o pagamento dos tributos. A avaliação é de que é mais fácil controlar os pagamentos se eles forem feitos pela empresa que contrata o serviço. Já os pagamentos que vão para o trabalhador continuarão sendo feitos pelas empresas terceirizadas, entre os quais salário, férias e 13º.

Pela proposta original, a responsabilidade por esses custos era da empresa que terceiriza o serviço. Cabia à contratante somente fiscalizar todo o mês o cumprimento desses pagamentos.

Para obter o apoio de centrais sindicais, o relator também aceitou incorporar ao projeto emenda do deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP), ex-presidente da Força Sindical, que garante que o terceirizado será representado pelo sindicato dos empregados da empresa contratante, quando a terceirização for entre empresas com a mesma atividade econômica.

Segundo Paulo Pereira da Silva, essa emenda garante que o trabalhador receba as correções salariais anuais da categoria. “Um terceirizado tem todos os direitos da CLT, mas perdia a representação sindical, acabava ficando sem os efeitos da convenção coletiva. Tivemos uma reunião das centrais com o relator e, com a incorporação da emenda, vamos apoiar o texto. Só a CUT [Central Única do Trabalhador] continua a se opor à proposta”, disse o deputado.

Tumulto A tarde na Câmara foi de tumulto com a previsão de votação do projeto da terceirização. Manifestantes ligados a centrais sindicais fizeram uma manifestação do lado de fora da Câmara contra o texto. Eles tentaram entrar na Casa, mas foram impedidos por policiais.

O deputado Vicentinho (PT-SP), que apoia o protesto, disse que foi atingido nos olhos por spray de pimenta, durante a ação dos policiais. Já o deputado Lincoln Portela (PR-MG) afirmou que foi agredido por manifestantes ao tentar entrar na Casa.

O presidente da Câmara criticou os protestos e disse que deputados que tenham “incitado” os manifestantes a invadir a Casa serão investigados e punidos. “Parlamentares que incitaram multidões a agredir ou invadir foram fotografados e filmados. Serão representados à corregedoria e haverá sanções. Um parlamentar não pode estimular atos dessa natureza. Certamente iremos representar à corregedoria, que vai aplicar a sanção devida contra cada parlamentar que agiu quebrando o decoro”, disse.

Cunha disse ainda que as pressões contrárias ao projeto o estimulam a votar mais rápido o texto. “Cada vez que há uma pressão dessa, exercida de forma indevida, temos que responder votando. Quando partem para a agressão, da minha parte isso só me estimula a votar”, disse.

Já o deputado Vicentinho (PT-SP) criticou a postura do presidente da Câmara e negou que parlamentares tenham estimulado agressões. “Não tinha deputado incitando nada. Só tinha eu e Erika Kokay (PT-DF). Eu fui falar com os policiais, porque eles estavam chutando os trabalhadores. E levei uma pimentada na cara. É mentira dele", afirmou.

Integrantes de entidades que representam os empresários também estiveram na Câmara para conversar com os deputados, entre eles o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, que defendeu o projeto. “Quem fala em perda de direitos não está falando a verdade, porque todos os funcionários estarão registrados pela empresa prestadora de serviço”, disse.

Requisitos Ao mesmo tempo em que amplia as hipóteses de terceirização, o projeto de lei estabelece requisitos para que uma empresa terceirize serviços. Pelo texto, a empresa contratada deverá ter “objeto social único, compatível com o serviço contratado”. É permitida a existência de “mais de um objeto” quando a atividade recair na mesma “área de especialização”.

“Não vai poder mais existir a tal da empresa guarda-chuva, que oferece serviço de segurança, limpeza, transporte”, justificou o relator da proposta. A empresa terceirizada deverá ainda comprovar “aptidão técnica” para exercer a atividade, além de ficar responsável pelo planejamento e pela execução dos serviços.

A terceirizada será ainda responsável pela contratação, remuneração e direção do trabalho realizado por seus funcionários. O texto prevê que o contrato de terceirização deverá especificar o serviço a ser prestado, o local e prazo para realização da atividade.

As normas previstas na proposta atingem empresas privadas, empresas públicas, sociedades de economia mista, produtores rurais e profissionais liberais. O texto somente não se aplica à administração pública direta.

Fiscalização Para garantir o pagamento aos terceirizados, o projeto de lei estabelece que a empresa que contrata os serviços deverá “fiscalizar” o cumprimento das obrigações trabalhistas decorrentes do contrato. Se forem observadas violações, a contratante poderá interromper os pagamentos à terceirizada.

Se as obrigações não estiverem sendo cumpridas, o projeto prevê que a empresa contratante poderá reter o pagamento do serviço terceirizado, até que a situação seja normalizada. A empresa pode, ainda, efetuar o pagamento de salários diretamente aos trabalhadores terceirizados. Neste caso, o sindicato da categoria será notificado pela contratante para acompanhar os pagamentos.

O texto estabelece ainda a possibilidade de retenção mensal 6% do valor da fatura de pagamento da contratante para a terceirizada. O montante será depositado em conta específica, em nome da empresa terceirizada. Os valores ficarão bloqueados e só poderão ser movimentados por ordem da contratante. Para ter os recursos liberados, a terceirizada deverá comprovar que quitou as obrigações previdenciárias e trabalhistas dos empregados que executaram os serviços previstos no contrato.

Pela proposta, se a empresa contratante não fiscalizar corretamente a terceirizada, ela passará a ter responsabilidade solidária em relação a todas as obrigações trabalhistas e previdenciárias que não forem cumpridas, ou seja, poderá ser acionada na Justiça para pagar a integralidade da dívida. Se comprovar a fiscalização, a responsabilidade será subsidiária, ou seja, será apenas obrigada a complementar o que a contratada, que causou o dano ou débito, não foi capaz de arcar sozinha.

Direitos O projeto prevê também que os empregados terceirizados tenham os mesmos direitos assegurados no local de trabalho aos funcionários da empresa contratante: alimentação em refeitório, quando for ocaso; serviços de transporte; atendimento médico ou ambulatorial nas dependências da empresa; e treinamento adequado quando a atividade exigir.

A proposta estabelece a possibilidade da chamada “quarteirização”, ou seja, de a empresa terceirizada subcontratar os serviços de outra empresa. Este mecanismo só poderá ocorrer, porém, em serviços técnicos especializados e se houver previsão no contrato original.

Além disso, a "quarteirização" deverá ser comunicada aos sindicatos dos trabalhadores. O relator deverá ainda incorporar ao texto uma outra garantia ao funcionário que esteja nesta condição - a de que direitos trabalhistas e previdenciários também sejam responsabilidade da empresa contratante primária, ou seja, de quem requisitou os serviços da primeira terceirizada.

Saiba mais: Quem é contra e quem é a favor?

A proposta divide opiniões entre empresários, centrais sindicais e trabalhadores. Os empresários argumentam que o projeto pode ajudar a diminuir a informalidade do mercado. Segundo o presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, a lei pode representar a geração, no futuro, de 700 mil empregos/ano em São Paulo e mais de 3 milhões no Brasil.

Já os sindicatos representantes dos trabalhadores acreditam que a aprovação do projeto de lei pode levar a uma precarização das condições de trabalho. Entre as queixas mais recorrentes daqueles que trabalham como terceirizados estão a falta de pagamento de direitos trabalhistas e os casos de empresas que fecham antes de quitar débitos com trabalhadores.

Entre as entidades que estão a favor do projeto de lei estão as Confederações Nacionais da Indústria (CNI), do Comércio (CNC), da Agricultura (CNA), do Transporte (CNT), das Instituições Financeiras (Consif) e da Saúde (CNS), além do Sindicato Nacional das Empresas Prestadoras de Serviços e Instaladoras de Sistemas e Redes de TV por assinatura, cabo, MMDS, DTH e Telecomunicações (Sinstal) e Sindicato Paulista das Empresas de Telemarketing, Marketing Direto e Conexos (Sintelmark).

Entidades sindicais representantes dos trabalhadores como a CUT, a Força Sindical, sindicatos dos bancários de todo o país e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) também são contra a aprovação do PL 4330.

O relator do projeto, o deputado Arthur Oliveira Maia (PMDB-BA), defende que é preciso e permitir a terceirização para qualquer atividade, desde que a empresa contratada seja especializada na execução do serviço em questão. Dessa forma, uma montadora de automóveis, por exemplo, poderia contratar várias empresas responsáveis pela montagem dos diferentes componentes de um carro.

Sandro Mabel, autor do projeto e deputado até janeiro deste ano, justifica as mudanças pela necessidade de a empresa moderna ter de se concentrar em seu negócio principal e na melhoria da qualidade do produto ou da prestação de serviço. Para ele, ao ignorar a terceirização, os trabalhadores ficaram vulneráveis, por isso, as relações de trabalho na prestação de serviços a terceiros demandam intervenção legislativa urgente, no sentido de definir as responsabilidades do tomador e do prestador de serviços e, assim, garantir os direitos dos trabalhadores.

Fonte: G1

Foto: Frederico Haikal/OT