Tarsia Gonzalez, sinônimo de independência e vontade de realizar


Tarsia Gonzalez é presidente do conselho de administração da Transpes. Psicóloga, atua também na área de marketing e comunicação da companhia. Seu trabalho resultou na conquista do Prêmio VocêS/A das Melhores Empresas para se trabalhar nos anos de 2014, 2015 e 2016.  A empresária também foi destaque no quadro “Chefe Secreto” do Fantástico, quando vivenciou de perto a rotina dos trabalhadores da transportadora.

Conheça um pouco da história dessa empreendedora do transporte que é referência para muitos profissionais do setor.

Boletim Eletrônico (BE) - Como iniciou sua carreira no transporte? O que a motivou?

Tarsia Gonzalez - Em 1982, com 13 anos, eu disse ao meu pai que estava crescendo e que as minhas roupas já não eram mais de criança e que eu tinha muita vontade de comprar um sapato de salto. Eu achava um sapato de salto a coisa mais linda do mundo. A resposta do meu pai foi de que estava na hora de eu trabalhar para que pudesse comprar o sapato. Eu não sabia o que fazer, me senti muito envergonhada. Nós já fazíamos parte de uma família de classe média alta, estudávamos em boas escolas, mas eu só teria o sapato e roupas novas se eu começasse a trabalhar. Conversei com minha mãe e disse que eu queria parar de estudar para poder trabalhar. Minha mãe ficou muito brava com meu pai e disse que não. Em primeiro lugar, eu deveria estudar. Assim nasceu o desejo e a necessidade de começar a produzir para conquistar as coisas, sem precisar pedir a ninguém. Meu início na empresa do meu pai aconteceu em 1986, aos 16 anos, quando me tornei sócia-cotista.

Comecei trabalhando alguns dias da semana, fazendo tudo o que era necessário. Organizava os ambientes e, como fazia essa tarefa muito bem, o meu pai pediu para que eu executasse a conferência dos relatórios de viagem dos motoristas carreteiros. Eu organizava, somava e lançava no relatório quanto tinha custado aquela viagem. Foi aí que comecei a aprender a calcular o quilômetro rodado, a média do caminhão, quanto aquilo representava de custo e fazer o ressarcimento das despesas.

Depois de seis meses de trabalho, o sapato já não era mais importante. Ajudar meu pai passou a ser a prioridade. Hoje, tenho paixão por sapatos e sempre que gosto de um me recordo dos primeiros pares que tive a oportunidade de comprar por minha conta. Nunca mais tive coragem de pedir algo para o meu pai.

Já percorri todas as áreas da empresa, o que me deu um perfil profissional generalista. Trabalhei na área financeira e, depois, na área de gestão de pessoas, na época chamada de Departamento Pessoal e Recursos Humanos. Em 1998, implementei a certificação ISO 9001 na empresa, na época, a primeira de Minas Gerais e a terceira do Brasil no segmento de transportes a obter o certificado.

 

BE - Quais são suas principais funções/atribuições atuais na transportadora?

Tarsia - Em 2012, após um curso de aperfeiçoamento profissional pela ESADE Business School – Alta Perfomance em Liderança, em parceria com a Fundação Dom Cabral, voltei com um projeto profissional que traria para a empresa a implementação da governança corporativa. Criei então o Conselho de Administração da empresa com a assessoria da Fundação Dom Cabral e fiz um processo sucessório do meu cargo de executiva. Em 2015, assumi o cargo de presidente do Conselho. Hoje, meu filho mais velho, Ruz Gonzalez, segue meus passos na Companhia e minha filha, Regina Gonzalez, trilha o caminho da psicologia.

 

BE - Quais foram as principais conquistas na sua carreira? E desafios?

Tarsia - Desde o meu início na Transpes, aos 16 anos, foram muitas conquistas. Em 1994, consegui estruturar o setor de Departamento Pessoal na Transpes. Dois anos depois, iniciei a consultoria para a implantação da cultura do programa 5S, preparando a empresa para a primeira de muitas de suas certificações.

Em 1998, a Transpes conseguiu pela primeira vez a ISO 9002:1994 – Sistema da Qualidade / Modelo para Qualidade em produção pela Fundação Carlos Alberto Vanzolini/IQNET, sendo a primeira empresa do estado de Minas Gerais e a terceira no Brasil a obter a certificação, mantida até hoje. Em 2001, desmembrei a área de Departamento Pessoal e elaborei o Departamento de Recursos Humanos, focado exclusivamente nos processos de recrutamento, seleção e treinamento da transportadora.

Três anos depois, em 2004, participei da estruturação do setor de SMS, criando uma política de ações preventivas com a contratação do 1º técnico de segurança do trabalho, criando eventos anuais da SIPAT e buscando uma conscientização de todos quanto a importância e o diferencial de se trabalhar numa empresa onde as ações antecedem os possíveis acidentes.

No ano seguinte, trabalhei no planejamento estratégico da Transpes, que foi construído com a assessoria externa de uma renomada empresa de consultoria. Um dos resultados foi a mudança do nome de Transpesminas para Transpes, passando a empresa a atuar não só em Minas como em todo território nacional, hoje com 22 filiais.

Em 2006, implantei, de forma inédita no Brasil, o primeiro ERP (sistema Protheus), trazendo controle a todos os processos. Já em 2007, implantei o sistema integrado de gestão empresarial que hoje já está instalado em todas as filiais. A sequência, em 2008, foi a implantação do conceito de Gestão de Pessoas, uma forma mais humanizada de tratar os empregados. Em 2009 criei o departamento de Marketing e Comunicação e apoiei a criação do programa de desenvolvimento de líderes.

Após retornar de um aperfeiçoamento profissional pela ESADE Business School – Alta Performance em Liderança, em parceria com a Fundação Dom Cabral, realizado em Madri, em 2012, iniciei o projeto de criação do Conselho de Administração da empresa, com a assessoria da Fundação Dom Cabral e realizei o processo sucessório do meu cargo de executiva. Em 2013, encabeci a elaboração do código de ética com base na cultura da empresa e sua disseminação a todos os empregados.

Apoiei no ano seguinte a implantação do momento gestor, que é uma prática baseada em diálogos diários da liderança com a equipe, que resultou na “Academia de Líderes” para formação de lideranças, incentivando o crescimento profissional e dando condições para que todos os gestores tivessem um plano de carreira.

Em 2015, assumi o cargo de presidente do conselho administrativo. Em 2016, implantei o Projeto Melhores Ideias, com o intuito de incentivar a diversidade de pensamentos e a participação de todos que desejam contribuir com novas ideias e propor soluções inovadoras para os processos desenvolvidos pela empresa no seu dia a dia.

 

BE - Você observa diferença de tratamento profissional em função do gênero?

Tarsia - A mulher conquistou muito nos últimos 10 anos. Mas ainda precisa brigar muito pelo que quer: segundo dados do Portal Brasil, com informações do Ministério do Trabalho, IBGE e OIT, nós hoje trabalhamos mais do que os homens: 7,5 horas a mais por semana, contra 6,9 horas a mais em 2005. Entretanto, eles ainda têm o mesmo tempo de afazeres em casa, 10 horas semanais. A mulher é ainda vista como principal “organizadora” da casa, com jornada tripla, coisa a que os homens não se veem obrigados a ter.

Em 2007, as mulheres representavam 40,8% do mercado formal de trabalho; em 2016, passaram a ocupar 44% das vagas. Um crescimento pequeno, mas significativo, se pensarmos no curto espaço de tempo. Outra notícia boa, a meu ver, é que o desemprego está afetando menos as mulheres: segundo o IBGE, com base em informações do Cadastro Geral de Emprego e Desemprego (Caged) e da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho, o total de homens empregados sofreu redução de 6,4%, contra 3,5% entre as mulheres.

Mesmo sendo um pouco mais valorizadas e chegando mais a cargos de chefia – De 5% a 10% das empresas brasileiras são chefiadas por mulheres no Brasil, de acordo com um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ainda ganhamos menos! No total, a diferença de remuneração entre homens e mulheres em 2015, ano com os dados mais recentes do indicador, era de 16%.

Falta valorização. Falta credibilidade. Falta sensibilidade para entender que a mulher tem qualidades distintas, fundamentais para a formação de times e que se encaixam perfeitamente na gestão de companhias. A nós, cabe seguir abrindo caminhos, mostrando a que viemos, sem perder a fé e a coragem. Se o mercado mostra sinais de melhora na sua relação com os gêneros, cabe a nós aproveitar a oportunidade para crescer.

 

BE - Quais diferenciais a mulher traz para a gestão dos negócios?

Tarsia - Para mim, mulheres são mais agregadoras, enquanto homens são mais pragmáticos, ambas características essenciais para as companhias. Mas somos todos seres humanos; há homens agregadores e mulheres com olhar mais orientado para resultados. Na verdade, essa é apenas uma visão generalizada, mas que procede com o que vivencio no dia a dia da empresa.

 

BE - Ainda há o estigma de que o transporte rodoviário de cargas é “para homens”?

Tarsia - Nunca dei muita importância para a opinião alheia e acredito que esse fator foi crucial na minha trajetória de sucesso. Mas também sei que existem realidades diferentes e também empresas que tratam de forma muito diferente, ainda, homens e mulheres. A questão é: o que fazer?

Falar da mulher no mundo corporativo para alguém que sempre quebrou barreiras sem se importar muito com a opinião do outro não é fácil. Sei que a mulher ainda sofre muita discriminação no mundo corporativo e na sociedade e sei também que muitas vezes as coisas se tornam muito difíceis.

Menores salários, mais dificuldade na hora de garantir promoções, projetos de menor importância e, principalmente, o descrédito de chefias masculinas. A lista é grande se formos enumerar todas as situações pelas quais passamos no dia a dia corporativo.

No meu caso, como nunca me importei com a opinião alheia, acabei passando por cima da discriminação, sem maiores problemas. Mas também sei que sou privilegiada, pela minha criação, pelo ambiente em que vivi, sempre muito desafiador, e pela minha alma aventureira, que nunca aceita facilmente um não como resposta.

A verdade é que as organizações são formadas por sistemas sociais, nos quais sempre existe uma orientação predominante. No caso, a masculina. Deixando um pouco de lado a forma como eu construí minhas escolhas, é preciso pensar em uma maneira social de reverter essa realidade, aliando o pensamento de construir e agregar e se empoderando, para estar sempre apta a brigar de frente com a forte barreira que encontramos.

O preconceito, infelizmente, ainda existe. Então o que temos de refletir é qual a maneira mais interessante de lidar com ele – há quem saiba movimentar-se melhor por entre os desafios, outras pessoas precisam de mais tempo e até de ajuda, algumas vezes profissional. Entra aí o papel importantíssimo da gestão humanizada, que precisa identificar e gerenciar talentos, independente do gênero.

A questão é: o preconceito existe? Sim. Ele vai desaparecer de uma hora para outra? Não. É um desafio diário, uma realidade que mostra uma luz no fim do túnel, mas que ainda precisa que pensemos sobre o assunto e aprendamos, juntas, como usar a mente e o coração para extrair o melhor que pudermos de cada situação.

 

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