Ricardo Lewandowski: a Constituição contra o crime


Do alto de seu conhecimento jurídico — e tendo sido ministro do Supremo Tribunal Federal —, Ricardo Lewandowski retornou à vida pública em uma Pasta desafiadora. Titular do MJSP (Ministério da Justiça e Segurança Pública) desde 2024, ele encontrou um país bastante pressionado por ações criminosas cada vez mais organizadas. Em sua visão, para fazer frente a esse fenômeno, há de se pensar grande e com lastro na Carta Maior. Em outras palavras, o Estado precisa de linhas mestras para agir. 

Essa visão se materializou com a PEC da Segurança Pública, cuja minuta foi submetida à Casa Civil em 15 de janeiro, após acertos com governadores dos estados e do Distrito Federal. Se prosperar no Congresso, o texto trará inovações importantes e que interessam ao setor de transporte, alvo frequente de ilícitos, tais como roubos e receptações de cargas, vandalismos de ônibus e trens, furtos de cabos de cobre do sistema metroviário e ataques armados a carros-fortes. “A ideia central da PEC é colocar o Susp (Sistema Único de Segurança Pública), à semelhança do SUS (Sistema Único de Saúde), na Constituição, para unificar a inteligência e as ações concernentes à segurança pública, nos três níveis político-administrativos da Federação, dotando-os de recursos perenes e não contingenciáveis”, defende o ministro em entrevista, que não esgota a temática. 

As posições de Lewandowski foram demonstradas, ainda, em sua palestra no 9º Fórum CNT de Debates, evento realizado pelo Sistema Transporte em 18 de fevereiro, cujo relato completo pode ser lido abaixo.

 

Revista CNT | O transporte rodoviário é vítima frequente de roubos e receptações de cargas, o que coloca em risco a vida dos motoristas e impacta negativamente os custos operacionais, com reflexo no preço do frete. Que ações da alçada do MJSP podem auxiliar no enfrentamento a essas modalidades criminosas? 

Ricardo Lewandowski | O problema é realmente grave e está ligado, como regra, às facções criminosas que atuam localmente. A PEC da Segurança Pública, proposta pelo MJSP, poderia contribuir para atacar o problema mediante a troca de informações e a coordenação de ações, integrando as diversas polícias. No passado recente, ocorreu uma situação dessas em Porto Velho, capital do estado de Rondônia. A União acorreu as autoridades estaduais, enviando contingentes da Força Nacional, para patrulhar as ruas, e da Força Penal, para reforçar a segurança dos presídios. 

 

Revista CNT | Atualmente, que esforços o MJSP direciona ao chamado “novo cangaço”, que aterroriza, em especial, cidades do interior do país, com ataques a caixas eletrônicos, agências bancárias e carros-fortes? 

Ricardo Lewandowski | Esse é um fenômeno novo, cujo combate diz respeito às autoridades locais, em primeira linha. O governo federal tem atuado, sim, por vezes enviando a PRF para auxiliar na repressão a essas ações delituosas, outras vezes mediante o compartilhamento de atividades de inteligência gestadas na Secretaria Nacional de Segurança Pública e na Secretaria Nacional de Políticas Penais. Mas a questão é, inegavelmente, complexa. Ela passa por um controle mais rigoroso da posse e do porte de armas, especialmente as de grosso calibre — em um passado recente, fartamente distribuídas entre a população civil —, as quais acabam caindo nas mãos de criminosos.

 

Revista CNT | O cerne da PEC enviada pelo Ministério à Casa Civil é constitucionalizar o Sistema Único de Segurança Pública aos moldes do SUS. Como essa nova disposição do ordenamento jurídico pode contribuir para o enfrentamento à criminalidade, sobretudo, a organizada? 

Ricardo Lewandowski | A ideia central da PEC é colocar o Susp, à semelhança do Sistema Único de Saúde, na Constituição, para unificar a inteligência e as ações concernentes à segurança pública, nos três níveis político- administrativos da Federação, dotando-os de recursos perenes e não contingenciáveis, concentrados em fundos próprios. O SUS, tal como é concebido pelos constituintes, é uma experiência extremamente exitosa, que comprovou sobejamente o seu valor na recente luta contra a pandemia da covid-19.

 

Revista CNT | Uma inovação da PEC é a criação da Polícia Viária Federal, com a atribuição de patrulhar ostensivamente não apenas as rodovias, mas também as hidrovias e ferrovias federais. O senhor poderia comentar a respeito da importância de um órgão permanente (sob a União) atuando em rios e trilhos? Em especial, diante da ousadia dos “piratas do rio Amazonas”?

Ricardo Lewandowski | A criação de uma Polícia Viária Federal permitirá o aproveitamento de uma força muito bem equipada, em termos de viaturas, aeronaves, pessoal e armamentos, já distribuída nacionalmente, que poderia, com um efetivo um pouco maior (o qual, hoje, corresponde aproximadamente a 13 mil agentes), patrulhar outros modais além do rodoviário — quais sejam: o ferroviário e o hidroviário, por onde passam cada vez mais mercadorias em nosso país. Essa atuação obviamente valeria para os rios da Amazônia. 

 

Revista CNT | Com frequência, o sistema metroferroviário é interrompido pelo furto de cabos de cobre. Há, em tramitação no Congresso, um projeto de lei que visa majorar a pena desse ilícito penal. Esse é um caminho suficiente para coibir essa modalidade criminosa?

Ricardo Lewandowski | Esses furtos podem ser coibidos com uma fiscalização maior por parte das autoridades locais e mediante denúncias da própria população afetada. Quando criada, a Polícia Viária Federal poderá atuar sobretudo nas ferrovias da União. Convém insistir que é preciso punir, com maior rigor, os receptadores para que se possa ter uma repressão mais efetiva a esse tipo de crime. Essa é uma tarefa, repita-se, do Parlamento.

 

 Revista CNT | Sobre o caráter transnacional dos ilícitos cometidos por facções, que olhar uma política nacional de segurança pública e defesa social precisa ter para as fronteiras e o que isso pode impactar o transporte internacional? 

Ricardo Lewandowski | O Brasil tem atuado intensamente no plano internacional, assinando acordos bilaterais e multilaterais para combater crimes e criminosos que atravessam as fronteiras dos diversos países, quer seja com integrantes do Mercosul, quer seja com parceiros europeus e norte-americanos. Uma recente iniciativa da mais alta importância consistiu na criação do plano AMAS — Amazônia: Segurança e Soberania —, que congrega nove estados limítrofes da Amazônia Legal e nove nações lindeiras para combater o tráfico de drogas, o desmatamento ilegal e o garimpo clandestino, dentre outros ilícitos, com a criação de um Centro de Cooperação Policial Internacional, com sede em Manaus. O plano conta com recursos do Fundo Amazônico e com financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Obviamente, o transporte internacional será beneficiado com essa intensa e crescente ação diplomática do Brasil.