Concessões, PPPs e o futuro - 4ª Parte


Nos capítulos anteriores, já vimos que o Brasil não escapará de promover fortíssimos investimentos em infraestrutura e que estes terão de ser feitos pela iniciativa privada, sob a forma de concessões ou PPPs, tendo em vista a absoluta impossibilidade de realizá-los com recursos públicos. Este momento de crise econômica e política não é o ideal, claro, para atrair investimentos de grande porte para contratos de longo prazo de duração. Mas é este o desafio a superar. Ou fazemos isso, logo, ou prolongaremos esse momento triste, de governança medíocre, de crescimento negativo; e adiaremos indefinidamente a virada desta “página infeliz da nossa história”...

Para atrair esses investimentos é preciso oferecer um marco regulatório seguro e agências reguladoras profissionalizadas, de modo a garantir que os contratos serão respeitados, de parte a parte. Além disso, é preciso desenvolver uma modelagem que conduza a uma remuneração que seja, ao mesmo tempo, atraente para o investidor e suportável pelos usuários. Na 3ª parte deste artigo elencamos diversas soluções, já identificadas, que permitem fazer a mágica de garantir a modicidade tarifária sem comprometimento da exequibilidade do contrato. É preciso desenvolver uma forte atuação política em favor daquelas soluções.

Como já mencionado, sem ter outra saída, o Governo foi obrigado a abdicar dos preconceitos ideológicos, que tanto atrasaram a retomada do caminho sem volta das concessões e das PPPs em geral. É preciso, agora, superar a reação emocional de parcelas da sociedade, inclusive no setor de transportes, que tendem a ver a cobrança de pedágio, não como contraprestação de investimentos e prestação de serviços relevantes, mas como uma espécie de sinecura. Este sentimento difuso e equivocado, por óbvio, não contribui para a criação de um ambiente propício às concessões e PPPs. E colabora para aumentar a sensação de risco do negócio, o que conspira contra a desejada modicidade tarifária.

Não obstante, é preciso reconhecer que as concessões mais antigas – e as do Estado de São Paulo, em especial – têm tarifas de pedágio muito elevadas, fruto de processos licitatórios feitos às pressas, com poucoknow how específico e, certamente, com outros vícios que em nosso país sempre comprometeram certames desta natureza. Elas precisam passar por uma rediscussão – que, aliás, tem sido feita – em tornos das diversas alternativas de redução já mencionadas anteriormente, sem comprometer a incolumidade contratual. O certo é que esta redução acabará ocorrendo, na pior hipótese no vencimento dos contratos, como já se verificou, de forma eloquente, na recente licitação para renovação da concessão da ponte Rio-Niterói, que resultou num pedágio quase 30% menor do que o praticado anteriormente. A tendência é que isso venha a ocorrer na renovação de todas as concessões mais antigas, nos próximos anos. Os contratos mais novos não têm o mesmo problema porque já começaram com tarifas sensivelmente mais baixas.

Tudo isso aponta para uma nova fase, que já está no horizonte, em que praticamente toda a infraestrutura logística do país será operada pela iniciativa privada. Nos trechos de menor densidade de tráfego, em que eventualmente a receita de pedágio seja insuficiente, aí entrariam as PPPs, com o poder público provendo parte dos recursos (para os investimentos, por exemplo), ou mesmo as chamadas “concessões administrativas”, no modelo do CREMA, usado pelo DNIT, em que empreiteiras menores se responsabilizam pela manutenção de trechos rodoviários, mediante remuneração pré-ajustada, proveniente dos cofres públicos e não do pedágio.

A qualidade da infraestrutura sob administração privada é inegavelmente superior àquela sob controle do poder público. As pesquisas rodoviárias realizadas pela CNT vêm demonstrando isso, ano a ano. Na pesquisa de 2014, por exemplo, dos 25 melhores trechos de todo o país, 23 são concedidos à iniciativa privada. No extremo oposto, os piores trechos estão todos sob gestão pública.

Isso se deve, evidentemente, à insegurança das fontes de custeio, à falta de continuidade das políticas e à escassez crônica de recursos.

Ainda há poucos meses, o DNIT teve suspensos todos os seus contratos de manutenção de rodovias, pelo sistema CREMA, porque as empreiteiras, que já vinham suportando vários atrasos de pagamento, solicitaram um reajuste extraordinário, por conta do grande salto ocorrido no preço do asfalto (como dos demais derivados de petróleo). O DNIT considerou justo o pleito e o aprovou. Mas foi obrigado a voltar atrás, logo em seguida, porque o TCU considerou que não estava suficientemente justificado o reajuste.

Não entro no mérito. Não sei se estavam certos os empreiteiros, o DNIT ou o TCU. Interessa-me o resultado: uma vez mais, durante meses, toda a manutenção de rodovias sob gestão federal ficou paralisada. Salvo engano, este problema ainda não foi totalmente resolvido.

Fatos como este acontecem o tempo todo, no plano federal e nos estados. É como se o sistema fosse concebido para não funcionar. Essa situação de insegurança, de indefinição de responsabilidades, de stop and go engendra o quadro com que nos deparamos há décadas: estradas mal conservadas, mal sinalizadas, com obras de arte e pavimentos degradados. E não há quem possa dar jeito nisso, porque o problema não é de pessoas, nem mesmo de comando. A gestão pública, pelas suas características e limitações, é que não se coaduna com as exigências de serviços dessa natureza.

Já quando a solução adotada é a transferência da gestão para a iniciativa privada, sob a forma de concessão – o que pressupõe um contrato, direitos e obrigações recíprocas e acompanhamento permanente por um órgão regulador que deve agir na defesa do contrato e dos usuários – temos um quadro diametralmente oposto ao anterior, desde que a licitação seja feita segundo uma modelagem criteriosa e de modo a ensejar disputa genuína entre empresas interessadas.

A empresa concessionária será sempre e obrigatoriamente uma SPE (sociedade de propósito específico). Não poderá se ocupar de qualquer outra atividade que não seja a gestão do trecho que lhe cabe explorar. Os recursos provenientes do pedágio serão destinados exclusivamente a isso. Seu quadro de pessoal se tornará especialista em cada quilômetro da via, conhecerá cada curva, cada ponte, cada viaduto. Se uma placa de sinalização foi roubada (e elas são roubadas ou destruídas o tempo inteiro), no dia seguinte outra já estará no lugar. Se uma pequena trinca se abre no asfalto, ela é imediatamente selada para evitar que cresça e vire uma cratera. Carros de socorro mecânico e de socorro médico chegam para atender a qualquer ocorrência em prazos de minutos. Câmeras de vídeo são espalhadas por todo o trecho, de modo que a estrada seja monitorada 24 por dia, a partir dos respectivos centros de controle operacional.

Esses são alguns poucos exemplos da eficiência da gestão privada, que o poder público, pela sua própria natureza, jamais poderá igualar.

Depois de ter acompanhado de perto diversas concessões, com variados níveis de qualidade, posso assegurar que o desempenho da pior delas será sempre muito superior ao do melhor órgão rodoviário público, sem qualquer demérito para o corpo técnico deste. Impossível comparar ambientes e condições tão desiguais.

Esse é o nome do jogo: se queremos rodovias de primeiro mundo nas grandes ligações e, nos demais casos, estradas decentes, seguras, que garantam fluidez ao trânsito e conforto aos motoristas, devemos caminhar para, tanto quanto possível, generalizar a sua delegação para a iniciativa privada, através de suas diversas formas: concessão, PPP ou concessão administrativa.

Além de todos as vantagens já destacadas, um modelo com essas características dispensaria a existência de Ministério, Departamentos, Secretarias etc. Uma Agência reguladora forte para cada modalidade e um Conselho de Intermodalidade (o CONIT que está previsto em lei e nunca funcionou), seriam suficientes para que a logística brasileira cumprisse o seu papel, com mais eficiência e segurança, e a um custo muito menor para toda a sociedade, do que a parafernália de órgãos que hoje se superpõem numa estrutura tão onerosa quanto ineficiente. Em tempos de reforma administrativa e de corte de gastos públicos, só isso já justificaria caminhar nessa direção.

Nessa perspectiva, é urgente que alguns segmentos de transporte, particularmente nas regiões sul e centro-oeste, revejam e superem o discurso emocional que trazem sempre na ponta da língua para desancar o pedágio. Isso não faz nenhum sentido. Quem declara ódio visceral a pedágio está manifestando, implicitamente, amor incondicional a imposto. As infraestruturas de transporte ou são financiadas por quem as usa (via pedágio), ou são bancadas pela sociedade, através dos impostos gerais. Não há outra alternativa.

Já vivi o suficiente para saber o que é melhor. No primeiro caso, você sabe de quem reclamar e onde reclamar, é capaz de perceber a relação custo/benefício e ainda pode repassar o custo no preço e ficar só com o benefício. No segundo, você amarra o dinheiro no rabo do gato e vai reclamar com o bispo. Fica com o custo do imposto, o custo da estrada ruim (que mal se consegue dimensionar, quanto mais repassar) e nenhum benefício.

Portanto, o que me parece é que o operador de transporte tem de focar a sua luta na melhoria das condições das concessões em geral, na sua generalização e no uso de todas as alternativas já referidas anteriormente, que resultem em tarifas tão módicas quanto possível e, ao mesmo tempo, deve iniciar uma grande discussão a respeito da carga tributária incidente sobre a atividade.

Quando se deu a criação do sistema de concessões, há quase 20 anos, já havia uma estrutura tributária (ICMS sobre transporte, ICMS sobre combustíveis, CIDE, IPVA etc), supostamente destinada a cobrir os custos e as demandas da atividade de transporte por serviços públicos. Esta estrutura permaneceu intacta e até cresceu, passando a conviver com as novas tarifas de pedágio. Um ajuste é necessário, mas pelo lado dos tributos e sem inviabilizar os recursos vinculados gerados pelo pedágio, porque são esses os únicos que podem garantir a qualidade, a manutenção e a modernização paulatina e constante da nossa infraestrutura de transporte.

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Chego assim ao fim dessa longa digressão, em quatro capítulos, a que dei o título de “Concessões, PPPs e o futuro”. Alguém poderá indagar se o “futuro” não entrou nessa história como “Pilatos no Credo”. De modo algum. Tratou-se aqui exatamente de oferecer a perspectiva de um país mais moderno e competitivo para as gerações futuras. Um país cuja infraestrutura logística não seja um fator limitador das suas possibilidades de desenvolvimento econômico e social.

Além disso, a opção pelas concessões e pelas parcerias público-privadas só será possível porque o futuro acena com um novo tempo, que nascerá das cinzas desse momento triste que vivemos. Licitações fraudadas e arranjadas, que sempre foram regra entre nós, tendem a se tornar acontecimentos excepcionalíssimos.

Será o tempo do compliance quando, finalmente, as pessoas, físicas e jurídicas, descobrirão que é muito mais vantagem cumprir estritamente a lei. O custo e os riscos da inconformidade serão tão altos (aliás, já são hoje), que optar pelo cumprimento da lei será um gesto de inteligência, para não dizer, de esperteza.

Mas este é o tema do próximo artigo.

Geraldo Vianna é advogado, consultor em Transportes, ex-presidente da NTC&Logística e Diretor da CNT.