Vaivém de modelos atrasa leilões na área de logística
Se nos setores de energia e telecomunicações o modelo de novas concessões de serviços e ativos tem tido relativa estabilidade nos últimos anos, em transportes e logística o governo federal vem testando fórmulas e fazendo ajustes em editais, o que tem atrasado leilões, principalmente de rodovias e ferrovias. Alguns investidores se queixam de que suas ponderações não estão sendo levadas em conta pelo governo, o que leva a erros que acabam resultando na necessidade de mudar os editais. "É republicano chamar os empresários para discutir, ver se eles aceitam o risco e o retorno proposto para um projeto", disse um executivo de uma das principais empresas do setor de concessões no país, sob condição de anonimato. "As coisas são feitas em gabinetes, e depois eles soltam e, se colar, colou." Esse investidor cita, em particular, o caso das concessões dos trechos mineiros das BRs 040 e 116, planejadas desde o governo Lula. O governo chegou a marcar a licitação para o dia 30 de janeiro deste ano, mas a cinco dias da data combinada, anunciou o adiamento para reformular o edital. E para essas duas rodovias as mudanças serão relevantes, envolvendo desde a redução da projeção de crescimento do tráfego da via --o que altera a estimativa de receita-- até a ampliação dos prazos de concessão e de financiamento. "Parece que esperam não dar certo para depois corrigir", disse o executivo. No fim do mês passado, empresários que fazem parte do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) criticavam a falta de diálogo na elaboração do plano de investimentos em logística. "O governo desenhou um modelo que não foi aceito pelo mercado, que preservou pouco a lucratividade e aí não adianta", disse o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Paulo Simão Safady. . Já o presidente da estatal Empresa de Planejamento e Logística (EPL), Bernardo Figueiredo, argumenta que todos os projetos são debatidos com os investidores durante a elaboração e, posteriormente, colocados em audiência pública e que os ajustes que são feitos mostram que o governo está atento e aberto a mudar as premissas. "Nosso compromisso é fazer o melhor. Se você vê uma conta errada, vai lá e arruma. Isso é uma coisa positiva, estamos atentos. Os investidores com quem eu tenho conversado acham isso positivo", disse Figueiredo. Mas, para o executivo do setor privado que falou à Reuters sob a condição de anonimato, mesmo com as mudanças ainda há desconfiança do mercado em relação à viabilidade dessas concessões. Isso porque, segundo ele, o governo também teria subestimado o valor dos investimentos exigidos nas concessões, fazendo com que a taxa de retorno real do acionista ficasse abaixo dos mais de 10 por cento anunciados pelo ministro da Fazenda Guido Mantega. A nova previsão do governo é de que os editais das BRs 040 e 116 saiam entre junho e julho. BUSCA DE EQUILÍBRIO Para o presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e das Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy, o desafio dos editais em qualquer concessão pública é equilibrar os interesses dos empresários com os objetivos do governo. "É claro que os interesses às vezes são conflitantes, o lado empresarial quer o maior retorno possível, o governo quer a menor tarifa possível (… ) você tem achar um ponto de equilíbrio", disse Godoy. "Quanto mais interação houver com o setor que vai participar e operar, mais rápido sai, acrescentou. "O TAV (Trem de Alta Velocidade) teve de ser revisto. Acho que quando vai soltar, tem de já soltar com boa chance de acerto." O projeto do trem-bala, que o governo quer construir entre Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro, é um bom exemplo de várias revisões. As tentativas de tirar o empreendimento do papel começaram no governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Polêmico, o projeto chegou a ser tema de debates, em 2010, entre a então candidata à Presidência Dilma Rousseff e o candidato tucano José Serra. Após a eleição de Dilma --defensora do projeto-- o governo chegou a abrir o processo licitatório em julho de 2011, mas nenhum interessado apresentou propostas. Depois disso, as regras foram totalmente modificadas, com a divisão do projeto em duas concessões. O primeiro modelo fracassou porque os investidores viam um risco muito elevado no projeto, apesar de o governo já naquela época anunciar que seria sócio do empreendimento por meio da estatal Etav, hoje convertida na EPL, que tem Figueiredo no comando. Em meio a incertezas com relação aos custos da construção da ferrovia, o governo decidiu refazer o modelo, criando uma concessão apenas para a operação do trem-bala (com o fornecimento da respectiva tecnologia) e outra para construir e cuidar da via. ACOMODAR INTERESSES A dificuldade, porém, pode não estar ocorrendo na realização ou não dos debates entre governo e empresas, mas na falta de habilidade de se conjugar interesses distintos mesmo entre os investidores privados. "É complexo, porque você tem investidores falando coisas diferentes, uma visão diferente dos que já estão no setor e dos que estão querendo entrar", disse a advogada Leticia Queiroz de Andrade, do escritório Siqueira Castro Advogado. Ela considera positivo o governo voltar atrás quando julga necessário. "Acho isso melhor do que ter uma postura muito truculenta", disse. Opinião semelhante tem a analista de logística da Tendências Consultoria, Cláudia Oshiro. Ela pondera, porém, que "não é muito bom ficar toda hora reformulando, refazendo os editais". Na área de ferrovias, parte do pacote de investimentos em logística lançado ano passado por Dilma tinha um primeiro modelo de edital que já sofreu mudanças em relação à proposta inicial. O prazo de concessão foi ampliado de 30 para 35 anos, o retorno do acionista foi elevado e trouxe uma novidade: além de garantir a demanda para o concessionário das vias, comprando toda a capacidade de carga, o governo vai antecipar parte das receitas ainda durante a obra. Pelos termos da minuta lançada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a estatal Valec vai antecipar aos concessionários de ferrovias durante as obras o equivalente a 15 por cento de seus investimentos totais na construção das vias. (Fonte: Reuters/Leonardo Goy/Reportagem adicional de Roberta Vilas Boas)