Roubos, furtos e saques de caminhões em rodovias federais disparam em seis anos


Tendência de alta vem se mantendo desde 2017, quando foram registrados 1,2 mil casos do gênero pela PRF

Principal meio de transporte de cargas no Brasil, o caminhão é cada vez mais visado por criminosos que atuam nas rodovias federais. A tendência de alta vem se mantendo desde 2017, quando foram registrados 1,2 mil casos de roubos e furtos pela Polícia Rodoviária Federal. No ano passado, o número chegou a 1.903, uma diferença de 57%. O pico no período foi em 2018, quando 2.265 cargas foram levadas de forma criminosa, segundo dados da PRF obtidos através da Lei de Acesso à Informação.

Os estados com mais ocorrências no ano passado foram Minas Gerais e Paraná, que tiveram aumento de 45% e 58% em relação aos registros de 2022. As rodovias federais onde os crimes são mais comuns são a BR-381, que vai de São Paulo ao Norte do Espírito Santo; a BR-116, que vai de Fortaleza à fronteira do Uruguai, no Rio Grande do Sul; a BR-101, que percorre os estados do litoral entre Rio Grande do Norte e o Rio Grande do Sul, e a BR-040, que liga o Rio e Brasília, passando por Minas. Os dados da PRF indicam um maior crescimento dos furtos, enquanto os roubos, após passarem por um pico em 2018, tiveram um recuo, mas se mantendo no mesmo nível de ano para ano.

Para Alan Fernandes, especialista do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo, o ataque a caminhões em rodovias federais é uma modalidade arriscada e que requer planejamento.

— São crimes que não se conectam com o roubo de carga nas ruas — avalia Fernandes. — A quadrilha precisa saber o que está sendo transportado, então depende de informações privilegiadas. É necessário também um receptador poderoso, capaz de receber uma carga que pode chegar a milhões.

‘Câncer no Paraná’

Em uma típica ação de roubo de carga em rodovia federal, são necessários ao menos dois veículos, descreve o delegado da Polícia Civil do Paraná, André Feltes. Um, para a abordagem, e o outro, para apoio, ficando atento à presença de policiais e pronto para avisar o comparsa de algum risco. Para se desvencilhar do localizador por GPS do veículo roubado, os bandidos podem contar com um caminhão próprio para levar a carga. Ou aparelhos que bloqueiam o sinal do dispositivo de rastreio e permitem a movimentação do caminhão fora dos radares.

— É um esquema caro. Quando têm contato com o próprio motorista, fica mais fácil — diz o delegado, referindo-se aos casos em que o responsável pelo transporte participa do desvio da mercadoria. — Na nossa área, há muitos casos como esses. É um câncer no Paraná.

O delegado Henrique José Freitas Marques, da Polícia Civil de Minas Gerais, reconhece que há um aumento dos casos que chegam à Delegacia Especializada em Combate ao Roubo de Cargas, responsável por atuar nos crimes que superam os 100 salários mínimos de prejuízo. Estado com maior malha viária do país (cerca de 272 mil km), Minas foi o que teve mais casos em rodovias federais em 2023: 675, sem contar os saques.

— Na maioria dos casos há envolvimento de profissionais das empresas — diz Marques.

Para o pesquisador Leonardo Ostronoff, do Núcleo de Estudos de Violência da USP, a malha viária e a proximidade com os estados do Rio e São Paulo atraem criminosos a Minas. No caso do Paraná, os atrativos são a localização como “porta de entrada” da Região Sul e a fronteira com o Paraguai, além do porto de Paranaguá:

— Ambos têm áreas com morros, serras e muitos trechos ermos onde é fácil parar um caminhão. São também estados menos vigiados, por exemplo, que São Paulo. As quadrilhas se movem para onde é mais fácil agir.

As rodovias com mais crimes em Minas são a BR-381, a BR-040 e a BR-153. Nesta última, desde 2020 atuava uma quadrilha que foi alvo da Operação Pega Leve, em maio deste ano. Foram presos 14 suspeitos de cometer 206 roubos e furtos no Triângulo Mineiro. Mandados foram cumpridos em Itumbiara, no sul de Goiás. Segundo Marques, a participação de criminosos de estados vizinhos, como São Paulo e Rio de Janeiro, é comum.

Quando é o motorista quem desvia a mercadoria, o crime é classificado como furto. As punições são menores, e muitas vezes os envolvidos não chegam a ser presos preventivamente, destaca André Feltes. A estratégia dos ladrões torna mais difícil um flagrante, e muitas vezes os investigadores recebem informações falsas da suposta vítima, quando ela também está envolvida.

O aumento de crimes contra cargas de caminhão vai na contramão da tendência geral de roubos e furtos em rodovias federais, que incluem os cometidos contra casas, pedestres e ônibus: neste caso, houve uma queda de 19% entre 2020 e 2023. No mesmo período, as ações contra cargas cresceu 25% no país, puxados principalmente pelos furtos.

Saque planejado

Também houve aumento de saques. Em 2017, foram 72 registros, contra 409 no ano passado. Há casos em que é um crime planejado, e não uma reação popular a um tombamento de caminhão. Em fevereiro, a Polícia Civil do Paraná prendeu 12 suspeitos de provocar saques na BR-277, rodovia que vai de Paranaguá até Foz de Iguaçu.

A quadrilha provocava acidentes ao arremessar entulho e móveis na via ou se aproveitava do trânsito lento para romper lacres que travam o compartimento de caminhões e despejar a carga, em geral de soja, no asfalto. Uma ONG de dependentes químicos, responsável pela limpeza voluntária da estrada, recolhia o material posteriormente vendido para receptadores responsáveis por organizar as ações.

— Os casos ocorrem mais nas proximidades do porto de Paranaguá, na época da safra. Rouba-se muita soja, fertilizante. Tivemos menos ocorrências este ano, mas os criminosos vão se reestruturar — prevê Feltes.

 

Fonte: O Globo