Regulamentação da reforma tributária: necessário diálogo e participação


Nos meus artigos tenho me debruçado sistematicamente no assunto da reforma tributária nos quais abordei:

A necessidade de creditamento da folha de salários no cálculo do IVA, principalmente, para o setor de serviços, que naturalmente estimularia a geração de empregos;

Os riscos que corremos com esse longo período de transição e a convivência com dois sistemas, o novo e o velho;

A necessidade de uma efetiva simplificação tributária, um anseio dos empresários contábeis;

A necessidade do tratamento diferenciado para as MPEs optantes do Simples Nacional para garantir a preservação e competitividade.

Em dezembro de 2023 a emenda constitucional nº 132 foi sancionada, representando um marco histórico para o Brasil, que depois de mais de 30 anos terá uma reforma tributária, trazendo, um modelo em conformidade com as boas práticas especificamente na tributação sobre o consumo, lembrando que a tributação sobre a renda e a desoneração da folha de salários ficaram para as etapas futuras.

Contudo, um desafio ainda maior se apresenta agora: a fase de regulamentação, etapa fundamental para determinar a aplicabilidade e o sucesso das mudanças.

Temos as bases constitucionais, mas a reforma tributária ainda é um quebra-cabeça que precisa ser montado, onde os detalhes práticos, operacionais e técnicos precisam ser desenvolvidos em lei complementar para assegurar que a reforma atinja seu potencial de simplificar e tornar mais justo o sistema tributário brasileiro.

Assim, a Emenda Constitucional 132/2023 inaugura um caminho de trabalho, expectativas e debates sobre o sistema e que ainda deve ter muitos desdobramentos. A própria EC estabelece até 180 dias para a regulamentação, o que por si só já é um desafio. Entretanto, a questão basilar para o sucesso dessa empreitada será a capacidade de entender, assimilar e se adequar aos desafios políticos, sociais, econômicos e tantos outros que as acompanham.

A participação heterogênea de grupos e comitês nesse processo de regulamentação é essencial para assegurar que todas as perspectivas sejam consideradas e o melhor seja decidido, em favor do Brasil. Só a inclusão de representantes de diferentes setores econômicos nos debates garantirá que as políticas implementadas não beneficiem poucos grupos e somente essa diversidade e vozes plurais contribuirão para a identificação e solução de possíveis problemas que possam surgir, aumentando a eficiência e a eficácia da reforma. Não há espaço para desvios, e essa regulamentação precisa refletir os princípios e objetivos propostos.

A capilaridade, a complexidade e o encadeamento da economia brasileira, com sua vasta gama de setores e interesses, exigem uma abordagem inclusiva na regulamentação da reforma tributária. A definição da alíquota referencial do IVA, por exemplo, precisa levar em conta o impacto sobre diferentes setores, como o de serviços, o comércio e o agronegócio. Já as regras relativas aos itens da cesta básica e do sistema de cashback devem considerar as necessidades das famílias de baixa renda, para contribuir com a redução das desigualdades sociais e melhoria da qualidade de vida dos brasileiros.

Inicialmente, a definição das alíquotas para o IVA – federal, estadual, e municipal – juntamente com o imposto seletivo, emerge como ponto focal, visando a preservação da estabilidade da carga tributária. Projeções governamentais indicam que essa alíquota padrão possa chegar a 27%, situando-a entre as mais altas no mundo. Porém, nessa esteira, lembremos que também carece de regulamentação o detalhamento de quais produtos e serviços poderão contar com alíquotas reduzidas.

Por isso, a diversidade na composição dos grupos e comitês encarregados pela regulamentação é vital, entretanto, até o momento, nos grupos oficiais observamos que suas composições são apenas de pessoas da Administração Pública. Lembramos que a participação de representantes de diferentes setores econômicos e sociais não apenas assegura que múltiplas perspectivas sejam consideradas, mas também garante que as políticas implementadas beneficiem a economia como um todo.

E mais uma vez, destaco a necessidade do chamamento da classe contábil para esses debates, afinal, somos os operadores e possuímos uma compreensão profunda das complexidades que compõem o cenário tributário. A participação dos contadores nos processos de discussão é essencial para garantir que a reforma seja pragmática, aplicável e alinhada com as realidades de todas as empresas e contribuintes.  Nosso conhecimento não apenas facilita a identificação de potenciais caminhos, mas também contribui para a criação de um sistema tributário mais transparente, eficiente e justo e para a promoção do equilíbrio entre as exigências governamentais, a capacidade operacional e contributiva das empresas e a necessidade de crescimento econômico.

Enfim, a inclusão de vozes diversas contribuirá para a identificação antecipada de possíveis pontos de fricção e oportunidades de melhoria, facilitando ajustes que tornem a reforma mais equânime e eficiente. Claro que haverá perdas e ganhos ao longo desse processo, uma consequência inevitável quando se busca a reformulação de um sistema tão complexo quanto o tributário. No entanto, a chave para minimizar as desvantagens e maximizar os benefícios reside na capacidade de equilibrar interesses e as necessidades.

Somado a isso, esse amplo debate promoverá um senso de propriedade e responsabilidade compartilhada sobre as mudanças. Isso aumenta a legitimidade do processo, além de colocar o novo sistema tributário na rota da sustentabilidade a longo prazo.

Portanto, é fundamental que o processo de regulamentação não seja visto apenas como uma tarefa técnica, mas como uma oportunidade para reafirmar os princípios de justiça e inclusão social. E isso só se dará com uma abordagem colaborativa e participativa, afinal, é do futuro de todos que estamos falando.

Fonte: Contábeis opinião corroborada pela Assessoria Jurídica Tributária da FETCESP / Foto: Divulgação