Os juros altos e a concentração de renda


img
Crédito: Divulgação

*Por Paulo Sérgio Ribeiro da Silva

“No Brasil a decantada mão invisível do mercado parece que se acomodou no bolso”

A concentração de renda é um fenômeno político-social que vem crescendo aceleradamente nas últimas décadas, na maioria dos países. As diferenças sociais vêm se tornando mais acentuadas e já provocam tensões, instabilidade política e fome.

Neste contexto, o Brasil aparece como um dos países em que o “índice Gini” – que mede a desigualdade social – é dos mais gravosos. O Brasil é ranqueado na 120ª posição entre os 127 países avaliados.

As razões de enfrentarmos este cenário perverso e insustentável têm raízes profundas e históricas.

Nas últimas décadas, o desenvolvimento da nossa jovem nação foi considerável, mas influenciado historicamente pela origem escravagista e oligárquica do Brasil colônia.

Em todos os ciclos do nosso desenvolvimento, os senhores de engenho, os barões do café, e os capitães da indústria, foram cristalizando esta cultura que, por diversos meios, criou duas classes de cidadãos: os ricos e os pobres.

Uma das principais razões desta situação é que, até um passado historicamente recente, o acesso à educação e a renda sempre foram privilégios de uma pequena parcela da população.

Neste contexto, a sociedade brasileira tenta se desenvolver e combater este desequilíbrio que envergonha a grande maioria das pessoas.

Nas últimas cinco décadas, a disseminação dos conceitos capitalistas pela maioria dos países influentes e poderosos, aumentou globalmente a importância do sistema financeiro. Surgiram assim, de maneira vigorosa, os mercados financeiros atuais com ambiente propício à especulação financeira, onde a figura dos juros é o ator principal.

Dentre os fatores de produção (capital, trabalho e recursos naturais), o capital passou a ser o mais relevante, balizando e orientando as políticas públicas.

O desenvolvimento sustentado da sociedade exige dois pressupostos: economia forte e distribuição de renda equilibrada.

A distribuição de renda é não só instrumento de justiça social, mas fator de estímulo ao crescimento econômico e social. Sem consumo, não há produção e emprego.

Nas últimas décadas, nosso país vem crescendo muito pouco e os problemas sociais aumentando exponencialmente.

As taxas reais de juros (descontada a inflação), no Brasil, são sempre muito altas. Atualmente, a taxa é de 7,95% (Taxa básica de 13,75 – inflação de 5,8%.), considerada já há alguns anos a mais elevada do mundo!

Ao mesmo tempo, países como Estados Unidos, Alemanha, Singapura, Japão, Espanha, França e Reino Unido carregam suas dívidas com juros reais negativos.A relação dívida/PIB destes países é superior aos 76% do Brasil

Há que observar que os citados países são considerados economicamente estáveis, adotam políticas econômicas liberais e ostentam bom nível de desenvolvimento econômico e social.

Estudo recente do Banco Mundial concluiu que os países que praticam juros elevados, sempre crescem menos. No Brasil, os gastos com juros em 2022 atingiram a cifra de R$ 580 bilhões.

Este é o valor que os poupadores/investidores financeiros recebem daqueles que tomam empréstimos para sobreviverem, ou pelos empreendedores que tomam capital de terceiros para desenvolverem seus negócios.

Os juros elevados enfraquecem a população de baixa renda e debilitam as empresas que geram empregos.

É frequente a interpretação de que as taxas de juros são elevadas em decorrência do alto índice de inadimplência. Todavia, há de se considerar que aqueles que estimulam as pessoas físicas a tomarem crédito de 13% ao mês, não podem esperar a integridade de seu capital de volta.

Fato relevante, é que o maior pagador de juros no Brasil é o Tesouro Nacional, portanto, toda a sociedade brasileira.

Há décadas os juros dos títulos do tesouro são pagos regularmente: inadimplência zero.

O governo é o maior tomador de empréstimos e não há lógica em tomar recursos tão onerosos.

A formação das taxas de juros sofre forte influência das pesquisas de tendências feitas pelo sistema ’Focus’, do Banco Central, que ouviu, segundo o último levantamento, 156 instituições direta ou indiretamente ligadas ao sistema financeiro.

Registra-se que a pesquisa não destaca sequer um cidadão ou tomador de empréstimo, opinando sobre qual taxa de juros deveria ser aplicada nos próximos anos.

As tendências do mercado deveriam ser estabelecidas pelo conjunto dos agentes econômicos: quem empresta e quem toma o dinheiro, e não somente pelos que emprestam.

As autoridades públicas, representantes da sociedade e o governo federal, o maior tomador dos recursos, deveriam indicar e negociar melhor o quanto pagar pela poupança dos cidadãos.

E os juros pagos pelo conjunto da sociedade deveriam ser módicos, como o é na maioria dos países.

Mas a influência do ‘mercado’ impessoal e etéreo é quem projeta tendências e taxas. No Brasil, a decantada “mão invisível do mercado” parece que se acomodou no bolso.

Temos um sistema financeiro forte, que é muito importante para o desenvolvimento do País, mas é recomendável e legítimo que haja instrumentos que permitam a participação da sociedade na formatação de políticas que atinjam a sociedade como um todo, como é o caso das taxas de juros.

Recentemente, um grande banqueiro em manifestação pública, relatou que o cenário inflacionário atual, a taxa de equilíbrio de juros deveria ser de 8% a.a. Por que então a taxa de 13,75% a.a.?

Não há, em nenhum estudo da teoria econômica, a defesa de manutenção de taxas de juros reais elevadas por longos períodos, como vem acontecendo no Brasil.

A autonomia do Banco Central foi uma vitória da sociedade brasileira, mas não deve ser confundida com independência. A definição da política monetária tem que ser, e é, discutida no Conselho Monetário Nacional para avaliação dos efeitos e consequências no contexto global da economia.

As políticas governamentais são legítimas quando buscam estimular segmentos, fixar impostos diferenciados, desde que tragam, ao final, benefícios para o conjunto da sociedade.

Um exemplo positivo foi o subsídio de taxas de juros preferenciais para o agronegócio, mantida há mais de 50 anos, que resultou no desenvolvimento de um segmento forte e moderno, que hoje é de vital importância para a sociedade e projeta o Brasil de maneira positiva no mercado mundial.

Este estímulo foi e vem sendo bancado pelo tesouro, portanto, por todos os contribuintes de impostos.

Um exemplo negativo, no entanto, é a política de remuneração da poupança compulsória dos assalariados (FGTS) de apenas 3% ao ano, enquanto os juros básicos pagos pelo governo a outros poupadores são, atualmente, quase 4 vezes superiores.

Não é justo que todos os assalariados sejam empobrecidos no longo prazo para financiar moradias para uma parcela deles, enquanto, todos os outros subsídios para atender demandas sociais e estratégicas são bancados pela sociedade como um todo.

No início de um novo governo, é importante que os rumos da nossa política econômica sejam focados no equilíbrio fiscal, estímulo ao crescimento e diminuição das desigualdades sociais.

Três brasileiros jovens e reconhecidamente capazes (Ministro da Fazenda – Fernando Haddad, Ministra do Planejamento – Simone Tebet, e Presidente do Banco Central – Roberto Campos Neto), membros do Conselho Monetário Nacional, haverão de encontrar um equilíbrio entre política monetária e fiscal que estimule o crescimento do país, com maior distribuição de renda.

Isso é o que a sociedade deseja e espera!!!

*Empresário há mais de 50 anos, Pós-graduando em Ciência Política pela Fundação Dom Cabral.  (paulo.sergio@tora.com.br)