Artigo - A quem interessa ampliar a crise?
Não tenhamos ilusões; as enormes dificuldades que o setor de transportes vem enfrentando desde meados do ano passado têm inúmeras causas e explicações, mas uma só solução verdadeira: o país voltar a crescer a taxas de 4 a 5% ao ano, de forma consistente, durante uma década ou mais. O mesmo remédio, claro, vale para o conjunto da nossa economia. Quanto mais tempo demorar para embarcarmos novamente num ciclo de crescimento, piores serão as conseqüências dessa fase de ajuste, cujo potencial de desorganização da economia já é, em si, muito grande, mas que, neste momento, tornou-se muito pior, por conta dos desdobramentos da “Operação Lava a Jato”, que praticamente paralisou os investimentos nos setores atingidos (Petrobrás e grandes empreiteiras).
Por tabela e, também, por conta da crise política resultante, o resto da economia também está devagar, quase parando. Ninguém faz novos investimentos ou toma qualquer decisão importante sem ter uma noção mais clara do que está por vir. É evidente que as taxas de juros nas alturas também contribuem muito para isso. Mas a verdade é que já não é possível saber quanto da atual retração econômica se deve ao programa de ajuste do ministro Levy e quanto é proveniente da crise econômica e política, de proporções inusitadas e desdobramentos imprevisíveis, decorrente da “Lava a Jato”, com seus meandros, delações, ilações e vazamentos seletivos.
Entendo perfeitamente que políticos enredados nessas “tenebrosas transações” busquem criar um clima de crise institucional, fazendo declarações bombásticas e suscitando toda sorte de especulação – impeachment, cassação de mandatos, CPIs, etc.— alguns apenas para fazer o jogo político e para desgastar o adversário, outros para tentar embaralhar as cartas e esticar o jogo ao máximo, até, quem sabe, melar tudo. Talvez esta seja a única maneira de aqueles políticos já bastante enlameados escaparem de um previsível e melancólico fim de carreira ou, no mínimo, de uma vistosa tornozeleira eletrônica.
O que não consigo entender é que empresários, que têm muito a perder, embarquem na aventura dos que já não têm mais quase nada a preservar, e ponham pilha nessas soluções que só tornam o processo mais complexo e difícil de ser deslindado. Tirar o gás da crise institucional e ajudar a que o ajuste fiscal se complete o mais rapidamente possível, para que a economia possa voltar a crescer: esta deve ser a aposta de quem está preocupado com a retomada dos negócios e com a preservação dos empregos, porque é a única solução que abrevia a crise, reduz riscos e minimiza perdas da sociedade como um todo.
É claro que nada do que eu disse aqui significa transigir com a corrupção ou com a canalhice política. As culpas devem ser objeto de apuração, com a observância do devido processo legal e, quando comprovadas, ensejar as penas previstas no nosso ordenamento jurídico. Crimes devem ser julgados nos tribunais, por quem estiver investido de poderes para tanto. Erros políticos, mesmo possíveis “estelionatos eleitorais”, devem ser julgados nas urnas, pelo povo, com a periodicidade prevista na Constituição e nas leis. Já oimpeachment é uma solução híbrida e excepcionalíssima em que um crime é submetido a julgamento político, no Parlamento, porém sob a coordenação do presidente do STF. É preciso que a figura delituosa esteja perfeitamente caracterizada e que haja clima político para a adoção desse caminho. Os que viveram o processo que levou ao afastamento do presidente Collor não devem cometer o erro de supor que um eventual impeachment da presidente Dilma possa tramitar com a mesma tranqüilidade institucional. Ao contrário, a hipótese mais provável é a de um quadro muito tumultuado, de solução demorada, que poderá gerar danos irreparáveis às instituições e à economia do país.
A tentativa de inverter ou confundir esses processos, e a tendência de transformar tudo em espetáculo midiático, pode fazer sentido para alguns atores do mundo político, para as grandes bancas de advocacia ou para os proprietários de emissoras de televisão, jornais e revistas. Mas estou convencido de que não é, nem de longe, o que convém ao país real, que vive e trabalha muito longe das intrigas de Brasília.