A lei, o Estado e o motorista
A Polícia Rodoviária Federal anunciou que caíram em quase 10% as mortes no feriadão da Páscoa. Os jornais festejaram com manchetes. Foram 108 mortes. Mas não há o que festejar.
Por Alexandre Garcia - Revista CNT As BRs significam apenas 3,5% da quilometragem das estradas brasileiras. São 60 mil quilômetros de BRs em 1.700.000 km de rodovias. Ora, se em 60 mil quilômetros morrem 108, em 1.700.000 terão morrido 3.060 pessoas, isto é, 765 por dia, nos quatro dias do feriadão. Esse não é um número oficial, porque o número do total de mortes nas estradas não existe. Pode ser menos ou mais do que isso, mas é uma projeção matemática que indica o morticínio nas rodovias brasileiras. Para diminuir esse morticínio, legisladores federais vão arrochando a lei. Foi assim que se endureceu a lei contra a mistura de álcool e direção. Agora se quer mais rigor na punição para ultrapassagem proibida, causadora de colisões frontais. O problema é que também matam as ultrapassagens em trechos sem proibição, porque o motorista não tem a menor ideia do motor de seu carro. A maior parte dos carros brasileiros tem um torque insignificante - que é a força capaz de aumentar rapidamente a velocidade. Sem saber disso, o condutor arrisca ultrapassar um caminhão e leva um tempo enorme na contramão. Nesse tempo, aparece outro veículo em sentido contrário e a tragédia acontece. Com esses torques de 9, 13, o motorista não pode arriscar. E o condutor é mal-habilitado. A preparação nas autoescolas é insuficiente. Vejo nas ruas que a pessoa está atrás do volante sem saber sequer para que servem as luzes do veículo. Não dá sinal de mudança de direção, roda com luzes de estacionamento, circula com faróis auxiliares - que são ofuscantes porque só têm facho alto - ou trafega de manhãzinha, no crepúsculo ou mesmo à noite com tudo apagado - porque ele está enxergando. Ingênua ignorância que leva à matança. Motorista de caminhão, hoje, está sendo mais bem preparado do que o motorista amador por causa dos cursos de formação ou reciclagem. Muitas das sugestões que aparecem no Congresso são bobagens que até podem piorar a situação. Falta, por exemplo, o Código ser mais claro e específico quanto às luzes do veículo; quanto às exigências para formar condutores - o que dizer da formação de motociclistas, absolutamente ridícula! Os motoboys estão sendo dizimados. E aquele gancho que se sobressai ao para-choque traseiro de carrinhos sem força para rebocar uma carrocinha de pipoca? Só serve para arrancar pedaços de pernas nos estacionamentos. E as películas, que tornam os carros totalmente opacos, prejudicando a visão noturna do próprio motorista e de quem trafega atrás ou ao lado? E a barulheira infernal provocada por carros entupidos de alto-falantes com surdos ao volante? Mas só lei não adianta. Morrem em ultrapassagem porque há estradas de mão dupla e há motoristas irresponsáveis porque o estado está irresponsável com a fiscalização.
Fonte: Revista CNT