Roubo de cargas aumenta no Rio e abastece feirões do crime


O Jornal Nacional descobriu o que bandidos estão fazendo com as cargas roubadas nas estradas do Rio de Janeiro. Os repórteres Felipe Freire e Paulo Renato Soares passaram um mês investigando essa terra sem lei. Encontraram milhares de pessoas, todo dia, comprando e vendendo produtos roubados nos feirões do crime.

O movimento é de uma feira, mas é um mercado sem lei, a céu aberto e que não para de ganhar clientes. Em Acari, na Zona Norte da cidade. Mas também no bairro vizinho, a Pavuna, e em Duque de Caxias, na região metropolitana do Rio. Três lugares diferentes onde os consumidores chegam em busca de variedade e preço baixo. Saem, muitas vezes sem saber, envolvidos num crime grave.

Óleo de soja 40% mais barato do que no comércio legal; potinho de salame, 70%. Tem material de limpeza, queijo ralado, tem aparelho de ar-condicionado. Promoções imbatíveis, financiadas por criminosos que roubam cargas. Com o número do lote dos produtos, os fabricantes confirmaram quando os caminhões foram levados por bandidos. Pelas informações dá para saber que a carga de óleo de soja, por exemplo, foi roubada no dia 19 de junho a um quilômetro e meio de onde o produto era vendido logo depois.

Nos cinco primeiros meses de 2017, isso aconteceu mais de quatro mil vezes. São 27 roubos de carga por dia no estado do Rio. Os números vêm aumentando desde 2013.

Grupos de criminosos, que se escondem em favelas perto de rodovias e grandes vias expressas, se aproveitam da geografia e da falta de policiamento para atacar. À luz do dia assaltam, levam o caminhão e repassam a carga ainda dentro das comunidades.

Os motoristas, obrigados a ir com os bandidos, são testemunhas amedrontadas. “É horrível. A sensação é muito ruim. Muito ruim mesmo. A minha vontade é abandonar a profissão. E eu vou abandonar. Já é meu desejo há tempo e agora então que piorou”, disse um motorista que não quis se identificar.

As transportadoras dizem que o prejuízo é enorme e para todo mundo. “Você tem, inicialmente, o aumento do custo de transporte. Quando você aumenta o custo do transporte, seja pelo aumento do valor da escolta ou pelo aumento do prêmio do seguro, você acaba tendo que repassar isso para o cliente”, afirmou Eduardo Rebuzzi, presidente da Fetranscarga-RJ.

Os investigadores dizem que o roubo de carga não é mais uma atividade só de quadrilhas especializadas. Os traficantes de drogas passaram a se interessar por esse crime para poder financiar as armas que usam contra a polícia e outros criminosos na disputa por territórios. Se antes se sabia quem eram os principais interessados em comprar esses produtos roubados – os receptadores -, agora, cada vez mais pessoas fazem parte dessa rede criminosa.

Gente comum que compra dos traficantes para revender e fazer algum dinheiro. Gente que compra para levar para casa pensando só na economia. Os produtos estão expostos em barraca, em carrinhos de supermercado e até nos trens. Hoje tem feijoada de caixinha, sai por R$ 5, pelo menos R$ 10 a menos do que no supermercado. Só atenção: investigadores dizem que é roubada, e está fora da geladeira.

A delegacia que investiga os roubos e furtos de cargas diz que são envolvidos demais e repressão de menos. “Precisa ter mais gente também e mais recursos aplicados para combater esta modalidade. Mas a população do Rio de Janeiro que sofre com esta violência também precisa se conscientizar e evitar a compra de produtos roubados. Ao comprar um produto roubado, ela está fazendo parte desse mecanismo e está contribuindo para elevar o grau de violência na cidade”, disse Tiago Dorigo, delegado assistente da Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas.

Nesses lugares, dizer que está dentro da lei é só uma brincadeira.

Comprar mercadoria roubada é crime de receptação, com pena de um a quatro anos de cadeia.

A empresa Supervia, responsável pelos trens urbanos, declarou que a venda de produtos roubados dentro dos vagões e nas estações é um problema de segurança pública.

As prefeituras do Rio de Janeiro e de Duque de Caxias também afirmaram que a repressão à venda de produtos roubados é responsabilidade das autoridades policiais.

Já a Polícia Militar alega que o comércio em feiras livres obedece a normas estabelecidas pelas prefeituras.

Fonte:Jornal Nacional