Minirreforma trabalhista pode tornar o mercado brasileiro mais eficiente


Ari Francisco de Araújo Júnior, professor de economia do Ibmec-MG e mestre em teoria econômica UFMG

 

Na tentativa de estimular a retomada do crescimento econômico nacional, o presidente Michel Temer tem se movimentado nos últimos meses para aprovar junto ao Congresso Nacional medidas consideradas por muitos como impopulares. Uma delas é a minirreforma trabalhista que, ao lado da reforma da Previdência e da já promulgada proposta de emenda à Constituição (PEC) do teto dos gastos públicos, tem encontrado grande resistência por conter pontos vistos como polêmicos por diferentes entidades de classe.

A possibilidade da prevalência de acordos e convenções coletivas entre patrões e empregados sobre o que estabelece hoje a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é uma delas e está entre as principais preocupações de sindicatos e trabalhadores. Uma parcela da população teme que a flexibilidade proporcionada pela medida possa afetar importantes direitos conquistados no passado. Outros críticos mais ferrenhos ainda ponderam que a minirreforma só beneficiaria empresários, principalmente do setor industrial.

Em entrevista ao DIÁRIO DO COMÉRCIO, o professor de economia do Ibmec-MG e mestre em teoria econômica pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Ari Francisco de Araújo Júnior, avalia que, nos moldes como está proposta, a reforma não parece trazer esse risco. Ao contrário, o economista pondera que a alteração na dinâmica atual das relações trabalhistas pode tornar o mercado brasileiro mais eficiente, contribuindo para gerar algo que tem sido escasso no País nos últimos tempos: emprego. Na sua visão, a medida poderia ter sido, inclusive, adotada em gestões anteriores, que dispunham de um contexto muito mais favorável.

Empresários de diversos setores relacionam a retomada da economia nacional, dentre outros, à execução da minirreforma trabalhista. O senhor concorda com o potencial dessa medida?

Concordo com qualquer tipo de reforma que torne o custo do trabalho menor do que é hoje em dia. Isso vai tornar a economia mais eficiente com toda a certeza.

E como a minirreforma pode beneficiar efetivamente as empresas nacionais?

O ponto fundamental para as empresas é mesmo o custo do trabalho. Hoje em dia, a gente tem uma tributação muito alta em cima do trabalho. Acho também que alguns pontos (da legislação) que tornam os contratos mais rígidos potencializam esses custos.

Realmente será promovida a flexibilização nas relações trabalhistas?

É difícil dizer porque ainda não sabemos exatamente como é que serão as medidas. Mas acho que a promessa é essa. O fato é que quando você tem uma oneração muito grande do trabalho, vale como se estivesse analisando qualquer mercado. Imagine um mercado de um produto no qual não há imposto e o governo passa a tributar. O mercado vai reduzir de tamanho. No final você terá menos quantidade vendida e o preço vai subir. É algo semelhante quando você tem um mercado de trabalho oneroso. O custo fica alto, as empresas estão dispostas a demandar menos trabalho e isso gera desemprego. Com isso você cria uma probabilidade muito grande de, a qualquer instante, não haver emprego. Ou seja, a economia fica menos eficiente. E a promessa é de uma melhoria no nível de eficiência. O fato é que as pessoas vão passar a conviver com uma situação de probabilidade mais baixa de desemprego, ainda que haja um ou outro caso de problemas de salário.

Uma das grandes críticas à atual legislação trabalhista, datada da década de 40, é de que ela estaria ultrapassada. Qual é a sua avaliação?

Concordo. Há muita gente hoje, por exemplo, que exerce funções que não existiam há 50, 60 anos, e essas pessoas ficam um pouco à margem da legislação. Esse tipo de função não está regrado pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) antiga, então é preciso mesmo pensar em formas de resolver esse tipo de problema. Se você decide trabalhar em casa hoje, por exemplo, em tese terá uma dificuldade muito grande de fazer isso se não for empreendedor próprio ou algo do tipo. Essa ligação entre empresa e trabalhador está meio defasada nesse sentido por causa da legislação vigente.

Quais os principais pontos deveriam ser revistos então para tornar a legislação mais condizente com as necessidades de empresários e trabalhadores?

Uma liberdade maior de escolha para os dois lados. Por exemplo: quero fazer um contrato com meu empregador e ele comigo, a gente é livre para fazer isso, ninguém está obrigando um ao outro. Então basta que na barganha tudo esteja escrito corretamente. Acho que é essa a ideia fundamental do ponto de vista da flexibilização. Não é algo para todo mundo. Quem tem de fazer trabalho presencial, como eu que sou professor, não tem como. Isso não vai atingir necessariamente todas as funções, mas sim algumas que não existiam no passado.

A proposta de reforma do governo pode ameaçar as conquistas dos trabalhadores obtidas até hoje, como questionam alguns sindicatos?

A impressão que se tem, pelo que se lê, é que não. Que isso vai funcionar não para todo mundo, mas para quem quiser. Imagino que para determinadas funções não vai fazer sentido, inclusive do ponto de vista da empresa. Agora, a gente sempre precisa lembrar que as opiniões dos sindicatos é uma coisa bastante complicada, porque o sindicato, em última instância, não defende o trabalhador, mas sim os sindicalizados. Logo, o que ele busca, de modo geral - podemos encontrar exceções - , é um salário alto, e a gente sabe que, como em qualquer mercado, se você tiver preço alto, tem sobra. A empresa não vai contratar, então vai aumentar o desemprego.
Mesmo em um ambiente de economia caminhando bem, a gente tem (no Brasil) taxas de desemprego relativamente altas, por volta de 7% a 8% ao ano, porque nossa economia é ineficiente, e um dos motivos é o funcionamento do mercado de trabalho. Se olharmos para os dados americanos, vamos encontrar taxas de desemprego normais de 5% ao ano. Se eles tiverem em crise, vão para 8%, não muito mais do que isso, porque o mercado de trabalho lá é bastante flexível. As pessoas livremente fazem suas escolhas, suas barganhas, seus contratos, a coisa funciona muito mais facilmente do que no Brasil.

Então a minirreforma é um caminho para a redução do desemprego no País?

Sim. Ela seria um deles.

Como o senhor analisa a possibilidade da terceirização para todas as atividades como vem sendo especulado?

Não conheço os termos (da proposta), mas se for no sentido de reduzir custos do trabalho sem grandes perdas para as pessoas, acho que não tem muito problema. Posso pensar em flexibilização em diversos contextos, não só para os tipos de ocupações que a gente já está acostumado a pensar como terceirizados. As pessoas podem pensar: vou perder fundo de garantia, mas não se perde, necessariamente. De modo geral, o mínimo se perde. Acho que as pessoas estão mais preocupadas em ter emprego. A pessoa não quer um seguro-desemprego alto, ela quer na verdade um emprego. Não adianta formular uma política muito paternalista de seguro-desemprego e onerar demais ou o Estado ou às vezes o setor privado com outras medidas. Aí automaticamente você aumenta a chance de a pessoa estar desempregada. E não é isso que ela quer.

Tanto a minirreforma trabalhista quanto a da Previdência estão sendo pouco discutidas com quem realmente interessa, que é a população. Qual sua percepção sobre essa postura do governo?

A gente tem que lembrar que passamos mais de dez anos em uma situação econômica muito favorável para que tudo isso fosse feito. Nada foi feito, e a gente está na situação que está. O Estado com condições muito ruins do ponto de vista fiscal. Imagino que o que esse governo está fazendo, meio que muitas vezes “nos atropelos”, é o que se precisa fazer. Isso poderia ter realmente sido feito com mais calma e planejamento, mas veio a reboque dos problemas todos. Ressalto: tivemos muito tempo para que tudo isso tivesse sido, no passado, pensado com um pouco mais de tranquilidade. Tivemos um período em que o Lula tinha uma popularidade muito grande e imagino que qualquer reforma mais importante do ponto de vista microeconômico ele teria conseguido passar facilmente no Congresso. Ele não quis enfrentar o problema e o governo atual está fazendo porque não tem muito jeito. Tem de fazer porque se não a situação econômica atual, que não é das melhores, pode se estender por muito mais tempo.

Quem ganha mais com a minirreforma como está proposta: trabalhadores ou empresários?

Isso é uma coisa difícil de se calcular. Seria preciso ter primeiro a listagem de todas as medidas, deixar o tempo passar, para depois fazer essa conta que a gente chamaria de uma análise de bem-estar mais completa. A priori, não dá para falar quem vai ganhar mais, quem vai ganhar menos. O que dá para dizer é que realmente isso vai beneficiar todo mundo. Como vai ser a divisão desses ganhos, a resposta seria um chute bastante grande.

 

Fonte: Diário do Comércio